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domingo, 6 de julho de 2014

CARTA DA CONDESSA L'ESTORADE AO CONDE L'ESTORADE

CARTA DA CONDESSA L'ESTORADE AO CONDE L'LESTORADE 
De Memórias d duas jovens esposas 
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Do Chalé, 7 de agosto
"Meu amigo, leva as crianças e faze sem mim a viagem à Provença; fico junto de Luíza que só tem poucos dias de vida, devo-me a ela e ao seu marido que, segundo creio, enlouquecerá. 
Depois de escrever o bilhete que conheces e que me fez voar, acompanhada dos médicos, a Ville-d'Avray, não me separei dessa mulher encantadora e não te pude escrever, pois é esta a décima quinta noite que passo com ela. 
Ao chegar, encontrei-a com Gastão, bela e enfeitada, com a fisionomia risonha, feliz. Que mentira sublime! Essas duas belas crianças tiveram uma explicação. Durante um momento, eu, como Gastão, fui enganada por aquela audácia, mas Luíza apertou-me a mão e me disse ao ouvido: 
- É preciso iludi-lo, estou morrendo.
Um frio glacial envolveu-me ao sentir-lhe as mãos ardendo e as faces vermelhas. Aplaudi-me por minha prudência. Eu tivera a ideia, para não assustar ninguém, de dizer aos médicos que ficassem passando pelos bosques até que os mandasse chamar.  
- Deixa-os - disse ela a gastão. - Duas mulheres que se reveem após cinco anos de separação tem muitos segredos a se confiar e Renata, sem dúvida, alguma confidência a fazer-me. 
Uma vez a sós, ela se atirou em meus braços sem poder conter as lágrimas. 
- Mas que há? - perguntei. - Em todo o caso, trago-te o primeiro cirurgião e o primeiro médico do Hospital, com Bianchon;  enfim, são quatro. 
- Oh! se eles pudessem salvar-me, se ainda for tempo, que venham! - exclamou ela. O mesmo sentimento que me induzia a morrer, infelizmente agora a viver. 
- Mas que fizeste? 
- Tornei-me tísica em último grau, em poucos dias. 
- E como? 
- Tomava suadores à noite e corria para junto do açude, no orvalho. Gastão julga-me resfriada, e eu estou morrendo.  
- Manda-o a Paris; eu mesma vou buscar os médicos - disse correndo como uma insensata para o lugar onde os tinha deixado. 
Infelizmente, meu amigo, feita a conferência, nenhum desses sábios deu a menor esperança, todos acham que com a queda dos sábios deu a menor esperança, todos acham que com a queda das filhas Luíza morrerá.  A constituição dessa querida criatura favoreceu singularmente o seu intento: tinha tendências para a doença que el acelerou; teria podido viver muito tempo, mas em poucos dias tornou tudo irreparável. Não te direi minhas impressões ao ouvir essa sentença perfeitamente justificada. Sabes que vivi tanto por Luíza como por mim.  Fiquei aniquilada, e não pude reconduzir os cruéis doutores.  Com o rosto banhado em lágrimas, passei não sei quanto tempo mergulhada numa meditação. Uma vez celestial tirou-me do meu entorpecimento com estas palavras; "Então, estou condenada!" ditos por Luíza que pousava a mão no meu ombro. Fez-me levantar e levantou-me para o seu pequeno salão. 
- Mão me deixes mais - pediu-me com um olhar suplicante; - não quero ver desesperos em torno de mim; sobretudo quero enganá-lo, a ele, e terei forças para isso. Sinto-me cheia de energia,de mocidade  e saberei morrer de pé. Quanto a mim, não me queixo, morro como tantas vezes desejei: aos trinta anos, jovem, bela, íntegra. Quanto a ele, vejo que o faria infeliz. Deixe-me prender nas redes do meu amor, como uma corça que se estrangula ao se impacientar por se ver presa;  das duas sou eu a corça... e muito selvagem. Meus injustificados ciúmes já lhe martelam o coração de modo a fazê-lo sofrer. No dia em que minhas suspeitas se topassem com a indiferença que é o prêmio que o ciúme atrai, pois bem... eu morreria. Estou quite com a vida. Há seres que tem sessenta anos de serviço nos registros da terra e que de fato não viveram dois anos e inversamente eu pareço ter apenas trinta anos, mas na realidade tenho sessenta anos de amor. Assim pois, para mim e para ele, este desenlace é feliz. Quanto a nós duas é uma outra história: tu perdes uma irmã que te ama, e essa perda é irreparável. Somente tu, aqui, deves chorar minha morte. Minha morte - continuou ela, apos uma longa pausa durante a qual eu a vi através de um véu de lágrimas - traz consigo uma cruel lição. Meu querido doutor de saias, tens razão: o casamento não pode ter como base a paixão, nem mesmo o amor. Toda vida é nobre e bela, caminhaste na tua via, querendo cada vez mais ao teu Luiz, ao passo que começando a vida conjugal com um ardor extremo, este não pode senão decrescer. Errei duas vezes e duas vezes a morte veio esbofetear a minha felicidade com sua mão descarnada. Tirou-me o mais nobre e o mais dedicado de todos os homens; hoje, a magra rapta-me do mais belo , do mais sedutor, ao mais poético dos maridos deste mundo. Mas, alternadamente, terei conhecido o belo ideal da alma e o da forma. Em Felipe a alma dominava o corpo e o transformava, em gastão, o espírito e a beleza  rivalizam. Morro adorada, que posso mais querer?... Reconciliar-me com Deus que talvez negligenciei um pouco, e para o qual me dirigirei cheia de amor, pedindo-lhe que me restitua um dia no céu, aqueles dois anjos.  Sem eles, o paraíso para mim seria um deserto. Meu exemplo seria fatal; sou uma exceção. Como é impossível encontrar Felipe ou gastão, a lei social nisto está de acordo com a lei natural. Sim, a mulher é um ser fraco que deve ao casar-se, fazer inteiro sacrifício da sua vontade ao homem, que em troca deve fazer-lhe o sacrifício do seu egoísmo. As revoltas e os prantos que o nosso sexo ergueu e divulgou nestes últimos tempos, com tanto estridor, são tolices que nos tornaram merecedoras da qualificação de crianças, que tantos filósofos nos deram. 
Luíza continuou a falar assim, com voz meiga que lhe conheces, dizendo as mais sensatas coisas, do modo mais elegante, até que Gastão voltou trazendo de Paris a cunhada, com as duas crianças e a ama inglesa , que Luíza lhe pedira, fosse buscar. 
- Eis os meus lindos algozes - disse ela ao ver os sobrinhos. - Não era natural que me enganasses? Como se parecem com o tio! 
Foi encantadora com a senhora Gastão sênior, a quem pediu que se considerasse no Chalé como na sua própria casa, e fez-lhe as honras da casa com essas maneiras à Chaulieu que possui no mais alto grau. Escrevi imediatamente ao duque e à duquesa de Chaulieu, ao duque de Rhétoré e ao duque de Lenoncourt- Chaulieu , bem como à Madalena. Fiz bem. No dia seguinte, cansada de tanto esforço, Luíza pode dar seu passeio; nem sequer se levantou, a não ser para assistir ao jantar. 
Madalena de Lenoncourt, os dois irmãos e a mãe, vieram à noite. A frieza, que o casamento de Luíza pusera entre ela e sua família, dissipou-se. A partir dessa noite, os dois irmãos e o pai de Luíza tem vindo todas as manhãs a cavalo, e as duas duquesas passam no Chalé todas as noites. A morte aproxima tanto quanto separa, faz com que as paixões mesquinhas emudeçam. Luíza é sublime de graça, de razão, de seduções, de espírito e de sensibilidade. Até o último momento, envidencia esse bom gosto que a tornou tão notável e nos galardoou com os tesouros desse espírito, que fazia dela uma das rainhas de Paris. 
Quero estar bonita até no meu caixão - disse-me com aquele sorriso que é só dela, ao recolher-se ao leito para nele deperecer nesses últimos quinze dias. 
No seu quarto não há vestígios de doenças; as poções, os tubos de borracha, toda a aparelhagem médica está oculta. 
- Não é que estou tendo uma bela morte? - dizia ela ontem ao cura de Sèvres, a quem deu sua confiança. 
Nós desfrutamos dela como avarentos. Gastão, que tem sido preparado por tantas inquietações e tantas horríveis evidências, tem-se mostrado corajoso, mas está atingido; não me admirarei se o vir seguir de perto a esposa. (Não me admirarei se o vir seguir de perto a esposa, O fim de Maria Gastão é contado em "O deputado de Arcis".)  Ontem, à margem do açude, disse-me: - Devo ser o pai dessas duas crianças... - E mostrava-me a cunhada que fazia os sobrinhos passarem. - Mas, embora nada pretenda fazer para me ir deste mundo, prometa-me ser uma segunda mãe para eles e consentir que seu marido aceite a tutela oficial, que eu lhe confiei juntamente com minha cunhada. 
Disse isso sem a menor ênfase e como um homem que se sente perdido. Sua fisionomia responde com o sorriso aos sorrisos de Luíza e somente eu não me engano com esse jogo. Ele mostra uma coragem igual à dela. Luíza quis ver o afilhado; mas não me desgostei de ele estar na Provença, pois ela poderia querer fazer-lhe algumas liberalidade que muito me embaraçariam. Adeus, meu amigo. 
25 de agosto (dia do santo de seu nome)
Ontem à noite, durante alguns momentos, Luíza delirou; mas foi um delírio verdadeiramente elegante, que demonstra que as pessoas de espírito não enlouquecem do mesmo modo que os burgueses e os tolos. Cantou com voz abafada algumas árias italianas do Puritoni, da Sonnâmbula e da Mosé - ( Os Puritani, A sonnâmbula, e o Mosé  são óperas italianas, com música de Bellini as duas primeiras e de Rossini a terceira.) . Estávamos todos silenciosos em torno do leito, e todos, inclusive o seu irmão Rhétore, ficamos com os olhos cheios de lágrimas, tão claro estava que a sua alma assim se evolava. Não nos via mais! nos atrativos daquele canto e de uma meiguice divina havia ainda toda a sua graça.  A agonia começou à noite. Acabo, às sete horas da manhã, de a levantar; ela recuperou alguma força e quis sentar-se junto à janela; pediu a mão de gastão... Depois, meu amigo, o anjo mais encantador que poderemos ver neste mundo, nada mais nos deixou que os seus despojos. Tendo recebido, na véspera, a extrema-unção, sem que Gastão o soubesse, pois durante a terrível cerimônia estivera a dormir, ela me exigira que lhe lesse em francês o De profundis, enquanto se conservava assim frente a frente com a bela natureza que para si própria criara. Mentalmente repetia as palavras e apertava as mãos do marido, ajoelhado do outro lado da poltrona.  
26 de agosto
Tendo o coração despedaçado. Acabo de vê-la no seu sudário, onde está pálida com tonalidades violetas. Oh! quero ver os meus filhos! os meus filhos! Traze-me os meus filhos a meu encontro. 
Paris, 1841. 
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CENAS DA VIDA PRIVADA 
Com sua magnífica obra Comédia Humana, Balzac nos proporcionou as mais diversas cenas da vida como ela é. 
Para ler a história de Balzac, acesse >>HISTÓRIA COMPLETA DA VIDA DE BALZAC  
Nicéas Romeo Zanchett 

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